terça-feira, 27 de setembro de 2011

O FIO DA ARANHA


Kandata, o facínora, tendo expirado sem mostras de arrependimento, foi, pela imutável Justiça, atirado à região sombria dos eternos suplícios.
Durante muitos séculos suportou indiferente os tormentos do Inferno Um dia, porém, o seu coração empedernido foi tocado por tênue raio da luz do arrependimento. Ajoelhou-se e implorou, em prece fervorosa, a proteção e misericórdia do Senhor.
No mesmo instante surgiu-lhe a figura radiosa e um Anjo, que lhe disse:
- O Senhor da Compaixão ouviu a prece humilde que acabas de proferir. E aqui estou para salvar-te dos castigos tenebrosos do Inferno. Ó Kandata, no decorrer das tuas vidas anteriores, houve dia que tivesse assistido a uma boa ação tua, por mais pequena que fosse? Ela te ajudaria, agora, livrando-te dos tormentos que, sem tréguas, te afligirão. Mas nunca esperes ver cessados os sofrimentos atuais, conseqüência do teu passado, se conservares ainda sentimentos de egoísmo e se tua alma guardar a impureza da vaidade, da luxúria e da inveja! Dize-me, ó Kandata, se queres sair daqui, qual foi, acaso, o ato de bondade que em vida praticaste?
- Pelo Deus da Misericórdia! - exclamou Kandata, cheio de profunda humildade e tristeza - jamais pratiquei, em minha vida passada, qualquer ato digno ou louvável. A minha existência foi um rosário interminável de crimes e infâmias de toda espécie!
- Kandata! - insistiu o Anjo. - Procura rememorar miudamente todas as ações do teu negro passado! Basta um ato verdadeiramente bom de tua parte, um só, para que obtenhas o perdão de Deus! Alguma vez socorreste com a esmola o desprotegido da sorte?
- Nunca! - murmurou Kandata, com voz sucumbida.
- Algum dia - prosseguiu o Anjo - tiveste uma palavra de consolo ou de bondade para os aflitos e desesperados?
- Nunca!
- Não te moveram, uma vez, à piedade, os enfermos, nem dispensaste qualquer proteção aos fracos e infelizes?
- Nunca! - soluçava Kandata, com o desespero dos arrependidos.
- E para com os animais, nossos irmãos inferiores? - insistiu ainda o Anjo. - Trataste com crueza, impiedosamente, todos os seres fracos do mundo?
- Deus seja louvado! - exclamou Kandata. - Lembro-me de que, certa vez, ao atravessar um bosque, vi uma pequenina aranha que procurava esconder-se sob a relva. - "Não pisarei esta pobre aranha - pensei - porque é fraca e inofensiva". Desviei o passo, a fim de poupar a vida ao mísero animalzinho. Teria sido esta uma ação agradável aos olhos do Criador?
- Feliz que és, Kandata - respondeu o Anjo. - Esse pequeno ato de bondade que acabas de recordar é sem dúvida suficiente para salvar-te do Inferno. E é a própria aranha do bosque que em breve te proporcionará - pela vontade divina - o meio único de salvação. Da altura infinita do Céu a aranhazinha vai lançar-te um fio.  por ele poderás subir até ao seio do Onipotente!
E, isto dizendo, o Anjo desapareceu.
Quase no mesmo instante, viu Kandata, com grande assombro, que um fio de aranha descia das alturas divinas até o fundo do abismo negro que o torturava. Aquele fio de enganadora fraqueza representava para ele a salvação, a tão sonhada Ventura! Estaria, para sempre, livre dos suplícios indizíveis do Inferno!
Sem hesitar, Kandata agarrou-se a ele e começou a subir. Sentiu, desde logo, que o fio - pela vontade do Onipotente - era forte e lhe sustentava perfeitamente o peso do corpo, que balouçava no espaço.
De repente, porém, em meio da escalada, lembrou-se o bandido de olhar para baixo e notou que os seus companheiros de infortúnios procuravam também, à porfia, salvar-se da região dos tormentos, subindo pelo mesmo fio.
- Com certeza, não poderá tão delgado sustentáculo suportar o peso dessa gente toda! - pensou Kandata apavorado.
E, instigado pelo terrível Egoísmo, desejando apenas a própria liberdade - sem lhe importar a alheia desgraça - gritou para os infelizes que já se agarravam, penca infernal, ao fio salvador:
- Larguem, miseráveis! Larguem, que este fio é meu, só meu!
No mesmo instante partia-se o fio da aranha e Kandata era para sempre restituído às profundezas, em que tanto tempo sofrera tão duros castigos!
O fio salvador, forte bastante para levar ao Céu milhares de criaturas arrependidas de seus crimes, rompera-se ao sofrer o peso do egoísmo que a maldade insinuara num coração!

autor: Malba than
texto extraído do site: http://quemtemsedevenha.com.br

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